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UPA UPA

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 22 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Conta-se que, a exemplo dos patinetes e bicicletas Grin e Yellow, estes pequenos meios de transporte dotados de tecnologia de satélites e internet, que invadiram nossas grandes cidades, o Rio Grande do Sul — sempre na vanguarda — criou o Upa Upa.

O Upa Upa nasceu na parte sul do Rio Grande, lá pras bandas do Uruguai, e consta de cavalos encilhados de oito em oito quilômetros, por todos os caminhos dos rincões do pampa gaúcho. As posições são como os pontos de ônibus, só que sofisticados, com cobertura, chimarrão e água quente, uma cadeira de balanço com pelego, um poncho para o caso de chuva no caminho, uma espiga de milho e uma maçã, que é a gorjeta, ou um agrado, para o cavalo. O milho na partida e a maçã no final do segmento percorrido. Não pense que o cavalo está sempre ali. Ele é colocado na hora certa, com uma baita de uma logística campeira.

A ideia surgiu na Canhada dos Guedes, uma espécie de Vale do Silício, que reúne a fina flor dos estancieiros empreendedores, que naturalmente, chegam todos ao local do “Toró nos miolo”, no sistema do aplicativo Upa Upa.

Ali, nestes encontros, não são só as cabeças que fervem, porque ferve também muita água para chimarrão. Um levantamento mostrou que é na Canhada dos Guedes — uma espécie de Vale do Silício, só que maior — que é encontrada a mais alta taxa de consumo de erva mate per capita da América do Sul.

— Vivente de Deus! Tu precisa ver o tamanho do mictório! Tu sabe como o gaúcho bombeia os campos, botando a mão espalmada nas sobrancelhas? Pois nem deste jeito tu enxerga o fim dos mictórios!

O aplicativo é bem simples (simples agora, que está feito, mas lhes digo que saiu muito fogo pelas ventas, pra criar o Upa Upa), e é tudo comandado pelo computador central da Canhada dos Guedes, o computador das estâncias e o celular do gaudério, numa charla bagual entre os três.

Ao clicar no aplicativo, de imediato surge a pergunta:

— Buenas! Pra onde te atiras?

Aí tu deve escrever a partida e a chegada, como por exemplo, Rincão das Taquaras e Estância do Tio Florêncio, e o resto fica com os três aparelhos que trabalham muito sintonizados e rápido, quando não ficam fofocando sobre as ameaças de tiro e peleia do último fandango, e quem comeu o que e quem comeu quem.

O aplicativo monta então o percurso, e os estancieiros lindeiros a este trajeto vão providenciando os cavalos e tudo o mais, tudo nos “trinques”, que é para não perder nunca o freguês. Sempre se dá um jeito de arranjar uma parada num bolicho para um café com sonho, um pé de ouvido com o bolicheiro e escutar uma marca do gaiteiro — que sempre haverá um — sentado num banquinho de três pontas, num canto do salão.

Na saída, se tu for um cliente “vipe” do Upa Upa, tu leva de brinde uma mala de garupa com uma manta de charque, um pacote de erva mate e um pote de mel campeiro.

Aliás, o Uber só instituiu a figura do cliente “vipe” depois que um CEO deles visitou a Canhada dos Guedes — uma espécie de Vale do Silício, só que beeem maior — e conversou com um peão pilchado, que enquanto curava uma bicheira num animal, lhe explicou o conceito de despesa e receita do cliente “Vipe”. Depois de ouvir o agradecimento do CEO do Uber, o peão arrematou a conversa com o seguinte depoimento:

— Fiz este estudo baseado nos trabalhos do último Nobel de Economia, referendado pelo meu superior, que aqui não é CEO, aqui é Capataz!

Ao montar no primeiro cavalo, deve o vivente colocar o celular no recipiente apropriado no lombo do animal e tirar só no final da viagem, que o recipiente também muda de cavalo em cavalo.

— E desobedeça pra tu ver! Tu vai quebrar umas três ou quatro costelas!

Se o celular sair do lombo do cavalo, o bicho toma um choque elétrico que vai fazê-lo disparar corcoveando campo afora!

Quanto à tua segurança, não te preocupes. Todas as trajetórias possuem câmeras de vídeo escondidas e, sempre algum peão de alguma estância estará te chuleando. Se houver qualquer emergência, o socorro será imediato.

— Entonces, cuera véio, podes te quedar tranquilo...

— Pense bem tchê! Tu tá no campo e tens que aproveitar o momento, um raro momento, em que o celular não estará na tua mão.

Olhe os capões e pense no murmurar de um pequeno arroio correndo por entre as pedras.

Pense na ema que em qualquer momento poderá te acompanhar por um pedaço de chão ao teu lado.

Ao passar por uma casa, grite “Ô de casa”, e receba acenos e sorrisos de prendas e peões, e o acoar dos cuscos, como a dizer “se achegue! Se achegue!”.

Ouça o alegre chilrear dos passarinhos nas árvores, e bombeie o chão de quando em vez, para ver se não encontras uma pedra moura para te lembrar dos tempos de guri, com as fundas, bodoques e até setras. Menos estilingue, que estilingue é frescura de paulista.

Agora uma coisa: as pedras dependem de onde tu estás troteando. Se estás em solo da Suíte Intrusiva Zimbros, tratando agora de geologia, nunca vais topar com uma pedra moura, já que esta só ocorre na Formação Serra Geral, que no Rio Grande é a serra gaúcha, se estendendo até o rio Uruguai na divisa com a Argentina, e que tem as franjas a sudoeste lá por perto de São Luiz, de Livramento e do Alegrete.

A este respeito, consulte o Portal dos Agregados, que se ainda não está na internet, um dia chega lá, numa criação do mesmo autor do Upa Upa (Interrompemos aqui a narrativa para pedir desculpas por este momento merchandising. Por favor, nos perdoem).

Uma particularidade regional do Upa Upa: os avios dos cavalos mudam conforme a região. Nos arredores de Pelotas, por exemplo, de onde se diz que nasceu a conhecida expressão “Tchê, bagual, perdi meus brincos”, os avios pendem para o cor de rosa, e o trotear dos cavalos é aquele andar afetado das competições olímpicas, tudo muito chique. A coisa vai embrutecendo e ficando tosca quando a trajetória se achega pros lados de Bagé.

Assim é o Upa Upa, um aplicativo realmente cavalar. Use e abuse, lembrando-se do nosso slogan, “Gauderiando Sempre”, uma criação da Agência Bongô, da Capital. É também da mesma agência a recomendação final (Perdão. Outro merchandising. Que barbaridade):

“Tchê, use sempre o Upa Upa, e não te preocupes com o meio ambiente, que do bostedo do caminho a gente cuida!”

 
 
 

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