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TEOR ALCOÓLICO

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 5 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

História 05 da série Humor no Trecho


Mariano bebia muito, mas por outro lado, era um profissional muito bom, e isto o mantinha empregado. Ele trabalhava aonde a sua empresa o mandava, em serviços de furação e desmonte de rocha. Os equipamentos que Mariano manejava eram o compressor e a perfuratriz com seus acessórios. O compressor fornecia o ar para a perfuratriz se movimentar e, uma vez posicionada para perfurar a rocha, o ar era deslocado para a haste de perfuração, imprimindo-lhe percussão e rotação, no serviço de perfurar o maciço rochoso.

Depois da furação pronta, disposta em linhas paralelas à frente da pedreira, o Mariano passava a encher os furos com bananas de dinamite. Para isto lidava com maestria o explosivo, o cordel detonante e o estopim. Tudo pronto e verificado, ele botava fogo no estopim e, com uma pressa calculada, procurava um abrigo. E fazia tudo isto completamente embriagado, com goles seguidos numa garrafa térmica, que ele dizia e jurava que era café.

Pelos locais por onde passava, logo após o trabalho, ele começava o que no interior se chama de “via sacra”: passava de bar em bar, acabando por conhecer todos, de todas as cidades. Geralmente os piores locais, de cachaça ruim e barata. Numa das cidades, o melhor local que o Mariano frequentava, onde se combinava trago com música ao vivo e se cobrava ingresso, levava o nome de “Chapéu do Diabo” e, se este, com este nome, era o melhor, imagine-se os outros. O “Chapéu” do nome era devido à cobertura da edificação, na forma de um chapéu chinês, e o complemento “do Diabo”, era certamente porque ali dentro, boa coisa era o que não poderia acontecer.

Ele não rejeitava trabalho. Em pedreiras longe de centros urbanos, levava seu estoque de bebidas e, perto de cidades, fazia a romaria pelos bares, se retirando com a sua térmica sempre cheia.

O Mariano bebia muito, mas também montava e desmontava compressor e perfuratriz e, se precisasse tornear uma peça, ele mesmo, bêbado, ia até uma oficina e operava o torno. Trabalhava sábados e domingos e, era também nos sábados e domingos que ele entornava, se não mais, uma meia dúzia de garrafas.

Numa das pedreiras urbanas, num final de tarde de um domingo, o auxiliar do Mariano o viu se levantar da cama, onde, encharcado de cana ele havia dormido, se vestir, botar o capacete, pegar seus apetrechos de trabalho, pegar a garrafa térmica onde ele dizia que tinha café — mas que todos sabiam que aquilo era pura cachaça —, sair do alojamento e subir na direção da pedreira. O auxiliar continuou quieto, esperando para ver no que aquele comportamento estranho iria dar.

Passado uns 15 minutos, o Mariano irrompe correndo pelo alojamento, assustado e aos gritos:

— É o fim do mundo! É o fim do mundo!

— Mariano! Mariano! Calma! O que foi que aconteceu?

— O sol! O sol! Em vez de subir, ele desceu!

Diante da risada do auxiliar, o Mariano demorou um pouco para entender que era um final de tarde e não o início da manhã, e começou a rir também, não se sabe se pelo alívio de que o mundo não estava acabando, ou se por saber que tinha mais uma noite de trago pela frente. No Chapéu do Diabo, ou no último boteco a fechar as portas.

 
 
 

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