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O TEMPO

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 29 de abr. de 2020
  • 6 min de leitura

João e Vilmar, que são gêmeos, Tereza e Antônio, namorados, e mais A e B, estão sentados ao redor de uma mesa. O tempo passa igual para estas seis pessoas.

João e Vilmar são daqueles raros tipos de gêmeos em que um sente o outro, e seus corações batem 60 vezes por minuto, num sincronismo despercebido por ambos.

João diz a Vilmar:

— Amanhã eu parto num foguete de uma velocidade incrível. Não estranhe ao sentir as batidas do meu coração.

E no dia seguinte o foguete parte, mantendo uma aceleração constante, o que significa que sua velocidade aumenta a cada segundo. Vilmar, no início assustado, vai percebendo as batidas do coração do seu irmão ficarem descompassadas em relação às suas, num intervalo de tempo igualmente progressivo. Passado alguns dias, Vilmar sente que as pulsações do coração de seu irmão estão cada vez mais devagar, quase na base de uma para três das suas pulsações e, estabilizando nesta defasagem, ele pensa:

O foguete parou de acelerar.

Se fossem erguer um brinde, como eles faziam todos os dias, Vilmar veria o braço de João erguer-se em câmara lenta, levando, da mesa aos lábios, um pouco mais de um terço do tempo de Vilmar. E mais: se Vilmar pudesse ver João, este o veria numa forma ainda humana, mas bizarra. O corpo de João apareceria alongado.

Tudo isto acima poderá ser verdadeiro um dia.

A rigor, no momento em que as seis pessoas se levantam da mesa, o tempo de cada uma delas passa a ser relativo e, no caso dos gêmeos, os físicos podem até calcular a diferença de tempo entre eles e o alongamento do corpo de João, que se encontra em viagem no espaço sideral.

Gogol (de onde se originou o nome Google) é uma palavra que significa o número 10 elevado na potência 100. É um número muito, mas muito, muito grande. Em anos, é do porte da idade do universo.

Da mesma forma, 1 sobre 1 Gogol, é o número zero vírgula, seguido de 99 zeros e o número 1. É um número muito, mas muito, muito pequeno. Em medida, é do porte do tamanho dos elétrons de um átomo.

Considerando um sobre um Gogol, a narrativa abaixo pode até ter um quê de verdade.

Os namorados Tereza e Antônio estão sentados no banco de uma praça. Antônio levanta e fala para Tereza:

— Vou caminhar em volta da praça enquanto você fica aqui sentada.

Ao passar de volta em frente à Tereza, Antônio a olha e murmura:

— Engraçado, Tereza me parece mais velha.

Ao passar na segunda volta, Tereza olha para Antônio e murmura:

— Engraçado, Antônio me parece mais narigudo, barrigudo e bundudo.

Têm-se então duas situações: uma possível e uma impossível. A possível é uma pessoa viajar e na volta encontrar tudo mais velho. A impossível é uma pessoa viajar para o futuro ou para o passado.

Quem se aproveita destes fatos é a indústria cinematográfica, mormente na situação do impossível, com viagens ao passado e ao futuro. Para se certificar disto, basta ver a bilheteria dos filmes “De volta para o Futuro”, “Os doze macacos”, “El Ministerio del Tiempo”, e tantos outros.

Sobre viagens ao passado, existem três situações em que a pessoa volta no tempo. A primeira é aquela em que os cientistas descobriram o meio, mas ainda não o aprimoraram, e o viajante pode cair em qualquer época, como em “Os doze macacos“, onde Bruce Willis cai numa guerra de uns cem anos atrás. Na segunda situação o viajante cai no dia programado, e na terceira a transferência é de uma precisão cirúrgica.

Se atendo à situação da máquina ainda não aprimorada de enviar um sujeito ao passado, e escolhendo uma profissão para os quatro personagens nominados da mesa, como músico, executivo, marinheiro e carpinteiro, solicitamos aos leitores que escolham uma das profissões que por ela tenham simpatia, e vamos a ver a sorte de cada um.

As condições da máquina são que você sabe que a data no destino da viagem ao passado é aleatória e, que ainda haverá uma perda de memória de alguns dias ou semanas. Você aceita estes efeitos colaterais, pois este é o preço de participar do avanço da ciência.


O músico:

Você entra na máquina de viajar ao passado e o cientista que está no comando aperta um botão: - zás!

Você se vê num cais de porto, e olhando ao redor pensa que voltou muito para trás. Caminha um pouco em meio ao cheiro da maresia e divisa o que seria um tipo de escritório, com uma placa “Recrutamento”. Entra.

— Boa tarde, estou atrás de trabalho.

— O que sabe fazer?

— Bem, sou músico, mas faço qualquer coisa.

— Deixa ver... deixa ver... Você é um cara de sorte. O trompetista ficou doente. Qual o instrumento?

— Qualquer um de sopro.

— Ótimo! Ótimo! Sujeito de sorte! Bom salário, comida de graça, vai fazer parte de uma orquestra! Está empregado! Vá ao cais e se apresente ao sub oficial do Titanic!

Putz, cara. Você se deu mal nesta.


O executivo:

Você entra na máquina e zás!

Você está numa estação de metrô. Olha ao redor e nota que os tempos são os atuais, e é uma estação cujo lado leva no sentido Centro. Um pedacinho de uma folha de jornal juntado do chão te mostra que o ano é 2001.

Você não sabe o que fazer e apalpa os bolsos atrás de alguma coisa e sente o celular. Ótimo! Já é alguma coisa! Dá um tempo para estudar melhor a situação e olha o relógio: 08:05h. Mais um pouco e entra uma mensagem. Automaticamente você aciona o celular e lê:

— Sua reunião de agora às 09:00h no World Trade Center, conforme agendada para este 11 de setembro, foi adiada. Siga até a próxima estação e retorne urgente, pois surgiu outro negócio!

Cara de sorte! Escapou por um triz!


O marinheiro:

O cientista aperta o botão e - Zás!

A máquina te levou até o ano de 1500, num cais de porto. Puxando assunto com um taberneiro, você fica sabendo que é dali que Cabral partirá para a aventura de descobrir o Brasil.

Uau! Que oportunidade para presenciar a História! Três caravelas e dez naus! Que esquadra! Que maravilha!

Você se recruta e é designado para a nau de Vasco de Ataíde e embarca.

Pô cara! Você teve azar. A nau de Vasco de Ataíde sumiu no meio do oceano! Sinto.


O carpinteiro:

— Zás!

E você se encontra vagando por um terreno de onde se enxerga, ao longe, fios de fumaça saindo do que parecem ser choupanas. O ar é extremamente puro e o tempo é, no sentimento, muito antigo.

As pessoas que você encontra te olham desconfiadas, mas aos poucos se acostumam. Teus conhecimentos de carpintaria ajudam, e pelo menos você faz por merecer a comida. Você não sabe como, mas fala a língua deles. Deve ser mais um complemento da máquina do tempo.

Certa tarde chega uma pessoa na aldeia atrás de operários, especialmente carpinteiros, e você se apresenta.

— Carpinteiro?

— Sim.

— Conhece as propriedades da madeira?

— Profundamente.

— Calafetação?

— Sim!

— Disposto a outras tarefas?

— Sim!

— Está contratado. Vais receber 4 Dracmas por dia durante a tarefa. Amanhã pela manhã siga no rumo do sol nascente e no segundo vale, já pelo morrer do dia, encontrarás uma tribo. Apresente-se a Noé.

Caraca! Nesta você se deu bem! Vais escapar do Dilúvio Universal!

— Senhor Noé? Sou Firmino da Silva, carpinteiro contratado.

— Como? Firmi o quê?

— Firmino da Silva!

— Ai meu Jeová! Pelo nome vens de longe, não é?

— De muito longe, seu Noé.

— Bem, primeiro trabalharás na construção da arca.

— Firmino! Firmino! (Que Satanás de nome, meu Jeová!)

— Pronto, seu Noé!

— Como a arca está pronta, vamos embarcar um casal de cada espécie de bicho. Certo?

— Certo, seu Noé.


— Seu Noé!

— Que tu quer, Firmino? (Que Satanás de nome, meu Jeová!)

— Sabe o casal de pernilongos?...pois é...eu pensei que tal se... bem... eta bichinhos que incomodam... quem sabe este casal a gente não embarca!

— Ai meu Jeová! Tem que embarcar Firmino!

— Tá bom! Tá bom! Mas o vinho comprado é pouco! Vou gastar meus Dracmas e dobrar os odres de vinhos!

Que beleza, Firmino! Escapou do Dilúvio Universal, se deu bem com o Noé e foi responsável pela primeira bebedeira citada na Bíblia!

Meus parabéns!

Dos seis personagens sentados ao redor da mesa, falta falar sobre A e B.

A e B levantam-se da mesa e caminham até a beira da Baía e sentam-se num banco para esperar o pôr do sol.

— O tempo pode não existir?

— Pode. O tempo só existe onde existe movimento. A trajetória de um astro, o movimento dos elétrons de um átomo, a batida de um coração...

— Tem certeza?

— Não. Melhor escutar os físicos. O que eu sei, e todos sabemos, é que o tempo é inexorável...

E enquanto o sol se aproxima da comissura entre céu e terra, com as matizes do amarelo e do vermelho indo para o escuro, A cantarola baixinho...

... Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia...

... Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente

Viu há um segundo...

... A vida vem e vai...

... Como uma onda no mar, como uma onda no mar...

 
 
 

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