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COFRES

  • Foto do escritor: Nei Damo
    Nei Damo
  • 2 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

Ao trafegar numa rodovia que chega à praia, divisei ao longe uma propaganda na carroceria de um caminhão, em letras grandes: COFRES. Passando pelo caminhão vi sua traseira aberta, cheia de cofres e num letreiro, um número de telefone, evidentemente para contato.

Em beira de rodovias que acessam praias eu já vi de tudo à venda em caminhões. O mais comum é abacaxi, melancia e coco, mas também há redes e cangas que chegam do Nordeste, produtos coloniais da região e mudas de árvores frutíferas, sendo as mais comuns as jabuticabeiras e pitangueiras. Cofres, foi a primeira vez que vi.

Na volta, reconheci de longe o caminhão e, como havia um posto de gasolina bem em frente, parei para analisar a traseira do caminhão, onde, mais uma vez, vi que estava atulhado de cofres. Como era impossível atravessar a rodovia de pista dupla, de intenso movimento e uma barreira entre as pistas, me aproximei o máximo que pude, distendi o foco da câmera do celular e bati uma foto. Eu tinha ali o número do telefone e uma estimativa dos vários tamanhos de cofres.

Seguindo viagem, pus-me a pensar em como aconteceria uma negociação para a compra de um cofre às margens de uma rodovia.

Um motorista vê o anúncio e resolve parar para comprar um cofre. Do tamanho de até uns trinta quilos, no máximo, que é o que dá para levar até o carro. Mas o caminhão está atulhado de cofres, desde pequenos até grandes e pesados.

Se você tem mais de quarenta anos, provavelmente deverá se lembrar de já ter ouvido alguma das frases abaixo:

— Para levantar isto, vamos precisar de um negrão.

— Estávamos numa discussão no boteco e de repente entrou um negrão!

— Isto aqui, nem dois negrões resolvem!

Luis Fernando Veríssimo tem uma crônica com o nome "Dois Negrões", que se encontra no livro com título "Sexo na Cabeça", em sua primeira edição. Nela, ele cria uma empresa, a Dois Negrões Ltda, que atendem chamadas para situações de uso de força extra.

Pois bem, para o caso de muitos cofres do caminhão, nem chamando a Dois Negrões Ltda. Muito menos um carro levar aquele tamanho e peso, de onde o telefone deve servir então para informar o endereço de entrega.

Na primeira oportunidade, parei no homem dos cofres. Disse-lhe que passo ali todos os dias, e parei para esticar as pernas, porque o trânsito estava lento devido a um acidente mais adiante.

— Viu na Internet, imagino. — disse-me ele.

— Sim. E pelo jeito vai demorar.

O homem dos cofres tinha lá seus cinquenta e tantos anos, cabelos grisalhos e, pela cara de simpático, resolvi puxar conversa. Contei-lhe sobre a crônica dos Dois Negrões e ele riu, emendando:

— Pois eu tinha no depósito dois destes. Eles acabaram saindo e então comprei uma empilhadeira, continuando a rir,

— E eu sei para que indústria eles foram. Acesse aí no celular Dois Negrões e veja.

Ele pegou o celular, digitou, leu e deu mais risada ainda.

— O trânsito melhorou e agora posso ir. Até logo.

— Apareça! — disse-me ele gentilmente.

Em outro dia, novamente com tráfego lento, parei ali outra vez, e de novo puxei conversa com o homem dos cofres.

Como cofres e ladrões estão relacionados, contei-lhe que no antigo Egito não se castigava um ladrão, porque ser ladrão era considerado uma profissão como outra qualquer. Na Grécia, conforme contam os historiadores do século cinco antes de Cristo, ser ladrão era uma profissão honrada. O indivíduo só não podia ser surpreendido no ato, porque se assim acontecesse, ele caía em grande desonra, e era humilhado para sempre. E no tempo de Jesus, também contam os historiadores, o roubo era um negócio muito bem organizado. Cada ladrão tinha um chefe, a quem ele entregava o produto do roubo. Este entrava em contato com o dono do produto e negociava a devolução. O chefe nunca entregava a identidade do seu ladrão, e tudo corria normalmente.

— Por isto o cofre é uma coisa muito antiga! — disse ele, e falou-me sobre cofres e como o cofre abre, ao se girar um botão para a esquerda e para a direita.

Junto com o cofre, o comprador tem que ter o seu segredo, uma combinação de números que abre o cofre. Se o segredo se perder, mesmo assim é possível abri-lo, através do conhecimento de vinte e nove passos. Não é preciso ser profissional, mas paciência e um estetoscópio. Aquelas cenas de filme com um ladrão auscultando a parede de um cofre com um estetoscópio, tem uma parte de verdade. Ao girar o botão, quando chegar num número do segredo, um pino se movimenta, com um quase imperceptível clic. O estetoscópio aumenta o som no ouvido, ajudando o ladrão a descobrir o segredo do cofre.

— Tenho que ir! — disse-lhe eu, olhando o relógio. — A conversa foi boa.

— Apareça! — me disse ele, ostentando um sorriso sincero.

Mais uma semana e, pela terceira vez, eu parei.

Ao ver meu carro, o homem dos cofres pegou duas cadeiras desmontáveis e já me esperou no lado da sombra da carroceria. Eu tinha ganhado a confiança dele.

A conversa foi boa e comprida, e o homem dos cofres me contou todos os seus segredos...

 
 
 

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