CAMINHANDO CONTRA O VENTO
- Nei Damo
- 24 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
Escrito em parceria com o amigo e poeta Cacildo Silva
Como designar aqueles que caminham, despreocupados, apenas para fazer um exercício? Não é caminhante ou caminhador, pois que estes estão sempre a caminhar. Não é um ativo, o contrário de sedentário, nas esteiras ergométricas. Não é viajante, viajor, ambulante. Não é andarilho ou andante e, muito menos, atleta.
Deambular é caminhar sem rumo, quase passeando – talvez isto o mais próximo do caminhar diário como exercício – mas não existe um substantivo para quem assim caminha. Não existe a palavra “Deambulante”. Se existisse, aquele que faz seu caminhar diário como exercício, poderia ser chamado de Deambulante Apressado.
Um fisiculturista é um sujeito que faz exercícios para desenvolver os músculos, e assim, talvez, se possa chamar aquele que apenas caminha diariamente como um ”Fisiculturista Extremamente Relaxado”.
Nesta denominação eu me incluo e então, além de Fisiculturista Extremamente Relaxado, sou também, enquanto caminho, um cogitabundo, ou, meditabundo, ou ainda, sorumbático. Escolhendo uma, fico com Fisiculturista Extremamente Relaxado e Meditabundo, porque caminhar, nesta ocasião em que se deixa o celular em casa, é uma ocasião bendita, que induz à meditação, este ato cada vez mais raro nos dias de hoje. É caminhando que os pensamentos ficam à deriva, esperando uma linha lógica a seguir, ou buscar outras linhas possíveis ou escondidas.
Existem muitos lugares para se caminhar, com muitos trajetos. Nos trajetos em que se mantém um rumo sem desvios significativos e, em especial em caminhos à beira-mar, há que se escolher a ida já pensando na volta, por causa do vento.
- O prático: vou primeiro contra o vento, porque a volta será mais fácil.
- O indeciso: e agora? O que eu faço? Não sei! Melhor ir contra o vento uns cinquenta metros, voltar, ir de novo contra o vento, voltar, até completar meus quarenta e cinco minutos.
- O otimista: vou primeiro contra o vento, porque na volta o vento vai aumentar a velocidade, e eu venho numa boa, feito um barco à vela.
- O pessimista: não adianta nada. Se eu for contra o vento, na hora em que eu fizer a volta, o vento muda, e fica com mais força ainda.
Mas enfim, foi numa destas caminhadas contra o vento, que a vi, a uns trinta metros, vindo em sentido contrário. Bem vestida, esguia, caminhava resoluta, como quem seguia para um compromisso. Não era, como eu, uma Fisiculturista Relaxada. Seus calçados não eram tipo tênis, nem coisa muito social. Roupas justas lhe evidenciavam o corpo, num talhe combinado. Os cabelos revoltos pelo vento sul lhe emolduravam o rosto. Um rosto lindo. A Cardinale do tempo de Caetano.
A uns três metros de mim, abriu um sorriso e me brindou com um sonoro “Boa taaaarde”! Um boa tarde que sinalizava muito bem que ela sabia que eu a despi com os olhos, e que gostara do que eu fizera. Sorri também e quase rindo, respondi “Boa taaaarde”. Um boa tarde que dizia que eu sabia dos seus pensamentos e, que gostei disto.
E assim, em todos os dias e na mesma hora, não importando o sentido do vento, eu caminhava na esperança de um novo encontro. Eu queria reencontrar aquela mulher.
Eu sonhava e, neste sonho me via caminhando contra o vento, como a vi da primeira vez.
De repente, a diviso!
— É ela! É ela!
Com a aproximação, instintivamente desvio para a direita para que ela passe à minha esquerda, mas ela pende para o mesmo lado, começando a sorrir. Eu desvio, também sorrindo, para a esquerda e, meu Deus do Céu! Ela também!
Ela quer o confronto, pensei, e sorrindo os dois, estacamos frente a frente, olho no olho. Ela me abraça e seu perfume entra em mim, suave e inebriante, enquanto o ruído das ondas da baía batendo na areia, tornaram-se silentes.
Em suave quimera, eu me atrevo num abraço, quando ela, com seus lábios que os sinto doces, sussurra languidamente no meu ouvido:
Oh! Tu! “Ventos uivantes”, ser errático!
Sei! Tu és meu Heatchcliff; e a ti eu sigo.
Como a mim mesma te amo; é o que te digo!
Por isso o deambular; para mim, tático.
Conheço dantes teu dom de homem “prático”
Somado ao “otimista”. Eu te bendigo!
Vejo os teus olhos; vês o meu umbigo!
Entendo como olhar viril e fático.
Tu eras pobre, amor; a dor exorta!
Casa rural! “O Alto dos Vendavais”
Formatou nosso amor nobre e sensato!
Eu sou a Cathe, a Catherine, a morta!
Venho das castas sobrenaturais
Bulir contigo, juro; ou então me mato!
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